Somar criança e
alimentação saudável não é conta fácil. Junte a essa equação a tarefa de educar
e o desafio de administrar diferenças econômicas, sociais e regionais em um
país com jeito de continente e pronto: o resultado é uma receita que parece
sempre prestes a desandar. Como ingrediente extra dessa combinação complicada
está o fato de que, para muitos estudantes, a escola é um lugar não apenas de
saciar a sede de conhecimento, mas também de matar a fome e de contar os minutos
para a hora da merenda. Mas, quando o sinal avisa que é hora de recreio, não é
raro ver pratos e lancheiras transbordando de sódio, gorduras e açúcar.
O sabor “comida
industrializada”, que é ruim para os mal nutridos e péssimo para os gordinhos,
começa a ser cultivado já na casa dos estudantes. O resultado aparece
claramente nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE):
uma em cada três crianças entre 5 e 9 anos está com peso acima do recomendado
pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Já o número de jovens de 10 a 19 anos
com excesso de peso saltou de 3,7 %, em 1970, para 21,7%, em 2009.
Para espantar a ameaça
de um Brasil desnutrido, porém obeso, ações públicas estão atraindo a atenção
de gestores com o objetivo de mudar o rumo nutricional nas merendas. É o que afirma o nutricionista Diogo Thimoteo
da Cunha, mestre e doutorando em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de
São Paulo (Unifesp). “Não há um alimento bom e um ruim, o que é bom ou ruim é a
alimentação, o conjunto que compõe nosso hábito alimentar. Uma bala, por
exemplo, é rica em açúcar, que é um nutriente, mas não é saudável”, explica o
especialista, também gerente do Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição
Escolar, parceria entre o Ministério da Educação, o Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE/MEC) e a Unifesp.
Entre as iniciativas
adotadas no âmbito público, ele cita o Programa Saúde na Escola (PSE), criado
há cinco anos pelos ministérios da Saúde e Educação. O programa tem objetivos
amplos, que incluem aspectos da merenda escolar: “é um grande programa que
trata não somente da alimentação como de todos os aspectos de saúde do aluno.
Por ser bem extenso, não é possível avaliar de forma pontual se ele melhorou
hábitos alimentares. Mas, de forma geral, acredito que o Saúde na Escola
auxilia o programa de alimentação escolar, favorecendo a educação nutricional e
a formação de hábitos alimentares”, avalia o nutricionista.
Fórum de Alimentação
Escolar
Não se muda o conceito
da merenda escolar da noite para o dia. Por isso, algumas ações surgem com o
desafio de traçar um novo caminho. Exemplo disso foi o 8º Fórum Nacional de
Alimentação Escolar, ocorrido em maio e organizado pela Federação Nacional das
Empresas de Refeições Coletivas (Fenerc). Como resultado, foi produzida uma
carta com 15 sugestões para alterar o sistema de alimentação escolar atual.
Segundo a federação, o documento será encaminhado a autoridades públicas e
privadas do País. Entre as mudanças sugeridas se encontram a redução de
publicidade em torno de alimentos “vazios de nutrientes”, além da pressão para
que a indústria diminua o uso de sal ou do açúcar como conservantes de alimentos
e bebidas, exemplos dos embutidos, caldas e xaropes.
Por trás de todo o
esforço está mais que o objetivo imediato de ter estudantes bem nutridos e com
peso ideal. Especialistas afirmam que alterar a mentalidade dos jovens é, na
verdade, evitar altos gastos com saúde no futuro. “Serão filas e mais filas
para tratar a doença, e não o indivíduo. Toda a sociedade precisa ser educada a
respeito da necessidade da alimentação saudável, aliada a atividades físicas”,
diz a nutricionista da Fenerc, Joana D’Arc Mura, também presidente do Comitê do
Fórum de Alimentação Escolar.
A introdução no
cardápio de verduras, frutas e alimentos in natura, com baixo índice de sódio,
açúcar e gordura, além de mudar o tipo de conservação da comida não deve ter a
conotação de gasto para o governo ou para o gestor particular. “Isso é um
investimento que traz retorno. Já foi comprovado que investir em saúde reduz
custos futuros como internações, remédios, afastamentos do trabalho, entre
outros. Sem contar que é papel constitucional do governo garantir à população o
direito à alimentação adequada”, reforça o nutricionista Diogo Thimoteo da
Cunha.
Terceirizar a merenda
pode ser uma saída para um gerenciamento mais controlado da alimentação
escolar, seja do ponto de vista financeiro ou qualitativo. Pesquisa feita pelo
Ibope e encomendada pelo Grupo de Soluções em Alimentação (GRSA) mostrou que
gestores escolares veem vantagem em delegar os serviços de alimentação e aponta
que 75% dos entrevistados entendem que a terceirização agiliza os processos. O
presidente da Fenerc, Antônio Guimarães, também defende a solução como o melhor
caminho para desburocratizar e agregar maior responsabilidade técnica ao
sistema.
Do ponto de vista de
Diogo, que trabalha com pesquisas de área, assessoria aos municípios e faz
monitoramento do FNDE, a terceirização facilita principalmente a contratação de
funcionários, mas há também riscos. “Terceirizar o serviço tende a transformar
o programa em um comércio, e as refeições em um produto. Logo, as empresas buscam
diminuir custos e aumentar lucros, tornando a alimentação algo secundário no
contexto escolar. Com isso, o programa pode se afastar de um de seus objetivos,
que é a formação de hábitos alimentares saudáveis”, alerta o especialista.
É nessa etapa que entra
a mão do administrador escolar.“O importante é que o gestor, caso opte por
terceirizar, fiscalize a empresa quanto ao cumprimento do contrato, qualidade
das refeições e do serviço prestado. Muitos municípios mantém autogestão da
alimentação escolar, com bons benefícios”, avalia o nutricionista.
Novos hábitos
Salgadinhos empacotados
eram produtos certos na mochila dos irmãos Mariane, de 10 anos, e Matheus
Henrique Nogueira da Silva, de 7. Com a cumplicidade do avô, que paparicava os
netos, sempre havia dinheiro para comidinhas ricas em sal e gordura. Mas há um
ano essa rotina mudou: no lugar das “besteiras”, as crianças passaram a se
alimentar mais de frutas e verduras.
Foi uma das
consequências do Programa Saúde Total na Escola, implantado emmeados de 2011
pela Prefeitura de Taboão da Serra (SP), onde Mariane e Matheus estudam. “Após
a constatação visual de excesso de peso de algumas crianças, percebemos a
necessidade de uma pesquisa de abrangência municipal com indicadores reais
sobre crescimento saudável de nossos alunos, medindo peso, estatura e Índice de
Massa Corporal (IMC)”, explica o secretário de Educação de Taboão da Serra,
José Marcos dos Santos.
Ele conta que 30% das
18 mil crianças avaliadas no ano passado estavam acima ou abaixo do peso ideal.
Já este ano, espera-se que o índice caia para 25% dos 25 mil estudantes
avaliados. Para atingir a meta, a secretaria investiu recursos financeiros e
humanos. “A alimentação saudável virou pauta nos bancos escolares. Os alunos
são estimulados a refletir sobre a importância de uma boa alimentação. As
escolas também são estimuladas a usar um sistema self service, onde cada
criança se serve sozinha”, diz o secretário.
Outro ponto fundamental
foi a capacitação dos funcionários e nutricionistas das unidades. “As
merendeiras, por exemplo, participam de cursos e aprendem formas criativas de
oferecer um mesmo alimento, além de servir a refeição com um bonito visual”,
acrescenta José Marcos dos Santos. Para evitar tentações como minipizza, pão de
queijo, coxinha, empada e refrigerantes, muitas escolas públicas, como as de
Taboão da Serra, baniram a cantina onde o aluno poderia comprar o lanche.
A mãe de Mariane e
Matheus, Juliana Nogueira, agradece a iniciativa. “Meus filhos sempre se
alimentaram bem, mas os salgadinhos estavam virando rotina. Com a mudança,
estão comendo muito melhor e até melhorando o desempenho escolar”, diz.
Com a palavra: Jamie
Oliver
Muito mais que um
respeitável chef de cozinha, o inglês Jamie Oliver, de 37 anos, é também um
formador de opinião. Conhecido mundialmente por seus livros e programas de
televisão, recentemente iniciou a campanha contra o uso de comida processada em
escolas públicas, conhecida como “Revolução Alimentar” ou Food Revolution, em
inglês.
Divulgou também o que
estava por trás dos hambúrgueres servidos em escolas e famosas redes de
fast-food: a “meleca rosa”, pink slime em inglês, que consistia na mistura de
carne processada e vários outros produtos químicos, incluindo até amônia.
Oliver conversou com exclusividade com a Profissão Mestre e mostra algumas
dicas de como a sociedade pode ser agente da própria mudança.
Profissão Mestre: Qual
é o principal obstáculo para que escolas (principalmente públicas) adotem
escolhas mais saudáveis na merenda escolar? Essa iniciativa é onerosa?
Jamie Oliver: Essa
mudança não precisa ser necessariamente cara. Mas acredito que a principal
dificuldade é, geralmente, o administrador escolar local não enxergar a saúde e
a nutrição da criança como uma prioridade. Se a escola tiver alguém com um
pouco de visão e consciência sobre a alimentação escolar, isso já pode ser
visto como um bônus.
Profissão Mestre: Por
que em alguns casos essa dificuldade é tão difícil de ser superada?
Jamie Oliver: Acho que
isso acontece pelo fato de que a merenda é um dos últimos itens na lista de
prioridade do departamento de ensino. A mesma situação acontece no Reino Unido,
porque o foco é sempre o lado acadêmico, conquistar boas pontuações em testes e
tudo o mais. A questão é que ninguém nunca morreu por não fazer a lição de casa
de Matemática... No entanto, vemos crianças nas escolas comendo muito mal e
saindo da escola com problemas de peso e distúrbios alimentares, o que é cada
vez mais comum.
Profissão Mestre:Para
mudar essa situação, quem tem mais poder: a indústria de alimentos ou a
comunidade?
Jamie Oliver: O poder
da população é sempre importante. Olha o que aconteceu com o pink slime! Mas as
ações têm que partir dos indivíduos para que o assunto se mantenha como
prioridade.
Profissão Mestre: No
geral, qual é a merenda escolar ideal?
Jamie Oliver: Bom, em
primeiro lugar, ela precisa ser deliciosa e atrativa para que as crianças se
alimentem. Mas é necessário que seja também saudável. Um bom equilíbrio seria
uma porção de proteína, carboidrato, muitos vegetais com vitaminas e bons
nutrientes, suficientes para o corpo em constante crescimento.
Para mais informações,
acesse: http://www.jamieoliver.com/
Veja agora uma reportagem sobre os hábitos alimentares.
Fonte: http://www.profissaomestre.com.br